POLIS

POLIS
O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Nada será como antes

  



E não foi mesmo! Depois do clube da esquina, nada ficou como antes era, pelo menos na música popular brasileira. 

Adoro Minas e os mineiros. Até hoje não entendi como podem os mineiros terem escolhido para liderar seu estado tão maravilhoso uma criatura desclassificada de um partido igualmente desclassificado. Bom, vai entender. Aconteceu muito pelo Brasil e Minas não escapou da onda fascista que invadiu o país e criou muitos monstros, despertou muitos outros adormecidos nas pessoas. 

O que me interessa, contudo, é falar do filme/documentário que tem a turma de Minas como protagonista. Os críticos não decidem por mim se devo ou não ver esse ou aquele filme. Atento ao que dizem mas quero ver com meus próprios olhos se estão certos ou se se trata apenas de uma opinião a (não) se levar em conta. Então, apesar das críticas, “ah, é um filme monótono…” (Nada Será como Antes' vale como memória, mas pode soar monótono. Folha de SP).

Sim, fui assistir. E que bom que fui. Nada de monótono. Para ser no feitio de um documentário até surpreende no seu dinamismo, trocas de cenas, falas, reconstruções de lugares e pessoas, musicalidade etc. Educativo também, pois muitas informações e relatos, a presença de todos os que participaram do movimento, presentes ou já não mais, aguçaram a nossa memória e traçaram o desenho necessário para se compreender quem e onde teve esse ou aquele papel no fenômeno da música mineira da era Milton. Traz aquela Minas e aquele Rio que abrigaram o nascimento e apogeu daquela música misto de mpb, Beatles, Jazz, clássicos, geografia mineira (“as notas às vezes, em altos e baixos, desenham as montanhas de Minas”) e tudo o mais que influenciou aqueles garotos precoces e talentosos. Há novas histórias e outras curiosidades sobre as pessoas e o período em que o disco foi criado que vêm à tona tendo como pano de fundo (e de frente) suas músicas. Embaladas pelas icônicas canções do álbum, as imagens do filme conseguem traduzir (visualmente) a época.
Quem diria que a ida à padaria para comprar pão e leite para o café da manhã fosse decisivo para o encontro que virou a eternidade e nos forneceu o melhor da música mineira/brasileira! O mesmo Lô Borges, que disse “carinhosamente”, que ao descer as escadas do seu apartamento viu aquele “negrinho” cantando, o que o impressionou e o arrebatou,  fazendo-o até mesmo abandonar sua missão de trazer o pão da família. Talvez seja essa a única alusão/expressão de racismo no filme (não intencional?), o que  me deixou surpreso. Não sofreu quaisquer atos de racismo, naqueles dias, o Milton? Afinal era ele o único preto do grupo. O filme não aborda o tema, mas me deixou curioso para saber se em Minas “era outra coisa” (não creio) ou se preferiram se deter no quesito música e política estudantil da época, que também foi fundamental para definir os caminhos da musicalidade e textualidade do Clube da Esquina.  


“O Álbum Clube da Esquina é considerado por muitos críticos musicais como um dos melhores de todos os tempos. Milton Nascimento, Lô Borges - então com 16 anos - e músicos do porte de Nivaldo Ornelas, Toninho Horta, Beto Guedes, Robertinho Silva, Wagner Tiso, criaram uma sonoridade única, que ajudou a revolucionar a música brasileira e mundial. Nada Será como Antes mergulha na musicalidade deste time de músicos excepcionais para entender como referências musicais diversas, e influências de paisagens, história e poesia refletiram em cada um deles e na música atemporal que criaram. No filme, as imagens, impregnadas pelas canções, são traduções visuais deste clássico da música mundial”.


Direção: Ana Rieper



Nada será como antes

Beto Guedes e Milton Nascimento



Eu já estou com o pé na estrada

Qualquer dia a gente se vê

Sei que nada será como antes, amanhã

Que notícias me dão dos amigos?

Que notícias me dão de você?

Alvoroço em meu coração

Amanhã ou depois de amanhã

Resistindo na boca da noite um gosto de sol

Num domingo qualquer, qualquer hora

Ventania em qualquer direção

Sei que nada será como antes amanhã

Que notícias me dão dos amigos?

Que notícias me dão de você?

Sei que nada será como está

Amanhã ou depois de amanhã

Resistindo na boca da noite um gosto de sol

Num domingo qualquer, qualquer hora

Ventania em qualquer direção

Sei que nada será como antes amanhã

Que notícias me dão dos amigos?

Que notícias me dão de você?

Sei que nada será como está

Amanhã ou depois de amanhã

Resistindo na boca da noite um gosto de sol.


Fortaleza, 8 de abril de 2024.

Antonio CR Tupinambá


sábado, 6 de abril de 2024

A maloca que deixou saudades

 




Ontem fui ao cinema do Dragão do Mar em Fortaleza (meu preferido na cidade, pois não sou chegado a cinema de shopping) para assistir ao longa SAUDOSA MALOCA de Pedro Serrano. Uma bela e nostálgica surpresa. O filme, uma narrativa a partir das músicas do Adoniran Barbosa, gênio das histórias do cotidiano de São Paulo, centro e subúrbio, conseguiu emplacar uma bela homenagem ao autor/músico, dos melhores do Brasil. Nostálgico porque está intimamente ligado a nosso passado "remoto e ancestral", quando, na radiola da sala, rodavam os vinis com suas capas coloridas e ilustradas com fotografias planejadas, revelando apenas o momento de sucesso de seus artistas. O que passaram para chegar até ali nem se imaginava, principalmente nós crianças, que só os ouvíamos porque não tínhamos ainda autonomia para escolher o que ouvir. Passei todo o filme com certa saudade, sem saber exatamente de que... Da radiola da sala com seus pés palitos ou da montanha de discos que, em sua maioria pertencia ao irmão mais velho e, portanto, não significavam nosso gosto?
Talvez isso mas também o entorno da música que ressoava aos domingos na casa com ampla sala de piso de mosaico encerado com cera Cachopa, portas escancaradas para entrar a luz do sol e dizer que todos se encontrariam ali, na rua Úrsula Garcia (nem sabia, naquela altura, que era o nome de uma escritora), para o almoço de domingo. É um filme de reminiscências e lembranças de um Brasil passado, não sei se bom ou ruim, mas passado e que é facilmente recuperado pela memória musical que costura o filme e possibilita a construção de um passo a passo pela escrita do compositor. Ítalo, que ainda não completou trinta, estava comigo. Foi preciso descrever para ele um pouco do Brasil da minha infância, dizer que aquela Iracema do filme, que "morreu ao atravessar na contra-mão" é a mesma da música "Iracema" do Adoniran, e outros detalhes históricos que a juventude desconhece ou ignora. A música "Saudosa Maloca" é, além de ponto de partida, desfecho e chegada. Paulo Miklos, que é, além de grande musicista ótimo ator conseguiu, no caso, incorporar o Adoniran, o compositor bem posto no recinto paulistano, seu mundo. Amei a presença de Gero Camilo como o Mato Grosso. O cinema gosta mais de galãs, já se queixou Gero há algum tempo, esse mesmo Gero que volta às telas num papel a sua altura e dá, muito bem, conta do recado. Já o "terceiro elemento", Gustavo Machado, é o tal Joca, um típico e decadente descendente de italianos, que incorporou a malandrice paulistana da periferia e tem em Jaçanã seu habitat, onde vive, óbvio, sob as asas da matriarca. As histórias de uma São Paulo que já não existe mais também passa por Cícero, vivido por Sidney Santiago, que “Adoniran” insiste em chamar de "Ciço", o jovem garçom de um bar, local de passagem e parada obrigatória do compositor. Foi difícil explicar ao jovem companheiro que comigo assistia ao filme como remeter cada uma de suas cenas e histórias às letras das diferentes músicas do Adoniran. Explicar que aquela paixão dos tres amigos por Iracema (Leilah Moreno) já tinha sido imortalizada com a ajuda do samba: "'Iracema', eu perdi o seu retrato...". O grupo de amigos sobreviventes e "salvos" pela música vê suas vidas ameaçadas quando "o bairro do Bixiga começa a passar por grandes transformações e a metrópole paulistana vai sendo lentamente engolida pelo 'pogréssio'". Meu amigo compreendeu melhor quando, de volta ao carro, pude mostrar-lhe, mais didaticamente, o elo entre filme e compositor, com ajuda das músicas cantadas por Elis Regina em parceria com o próprio Adoniran. Tudo ficou mais claro e foi mais fácil mostrar para o jovem mancebo, a partir daí, como o filme nasceu daquelas músicas inesquecíveis do Adoniran.

Antonio CR Tupinambá
Fortaleza abril de 2024.











domingo, 10 de março de 2024

Saindo da caverna

  


                                Atenas


O significado da aprovação, pelo parlamento grego, do projeto de casamento para pessoas do mesmo sexo vai além de uma conquista doméstica. A Grécia, país conservador de maioria cristã ortodoxa, oferece uma chance a seus cidadãos de superar erros do passado e se distanciar de outros países, igualmente ortodoxos e presos a dogmas, misturando Estado e Igreja. Além do casamento civil, a nova lei autoriza adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Isso significa uma grande vitória para a comunidade LGBT+ do país. Houve muito trabalho e campanhas lideradas por organizações locais ao longo das últimas décadas, fundamentais para essa conquista. O Primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis foi o responsável pela estratégia nacional, que ganhou o apoio necessário para aprovar o projeto de casamento igualitário. Kyriaros não desistiu dessa empreitada apesar de gerar, com sua proposta, forte oposição em setores mais conservadores da sociedade e do parlamento. Segundo o Primeiro-Ministro, a ideia básica de legalizar a igualdade no casamento resulta na eliminação de qualquer discriminação baseada na “orientação sexual” e não se trata, portanto, de algo revolucionariamente diferente do que se aplica em outros países europeus. Dessa forma, no dia 15 de fevereiro de 2024, a Grécia se tornou o primeiro país ortodoxo, no qual as uniões matrimoniais para todos puderam ser celebradas.  




Nicósia



Na União Europeia, alguns países permitem que casais do mesmo sexo realizem uniões civis, mas não que se casem. Esse é o caso da República Tcheca, Croácia, Chipre, Estônia, Hungria, Itália e, até então, a Grécia. Vale a pena lembrar que a maioria dos países do leste europeu não permite o matrimônio homossexual nem as uniões civis. A Turquia, eterna candidata ao clube europeu mas pouco afeita ao reconhecimento e respeito a direitos de suas minorias, distancia-se ainda mais da sua vizinha, a Grécia, que ora supera uma dívida histórica com o Bloco Europeu promovendo, com essa mudança constitucional, mais direitos igualitários para todos os seus cidadãos.  Já no Chipre, a "ilha de Afrodite" que é próxima à Grécia geográfica e culturalmente mas dividida entre o norte turco e o sul grego, continua sem dar sinais de qualquer mudança na legislação sobre casamento igualitário. Falamos desse país que já fez parte do Império Grego e compartilha a mesma língua, cultura e religião com a terra mãe quando se considera, atualmente, a parte meridional do seu território. Essa proximidade entre os dois países traz alguma esperança para, quem sabe em um futuro próximo, o Chipre também abrace projeto semelhante de matrimônio para todos. Deixando-se tocar por esse sopro democrático que vem da pátria mãe, a Grécia, os cipriotas do sul poderão se diferenciar, como nação democrática, dos seus vizinhos a norte, avessos ao respeito das minorias e a práticas de direitos humanos, no modelo de sua patrocinadora, a Turquia.


Antonio C. R. Tupinambá — 16 de fevereiro de 2024.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

A Berlim que não ficou só no passado ou um adeus a Berlim/The Berlin that is not just in the past or a Goodbye to Berlin*







Foto 1:  Distrito de Schöneberg (1)


A natureza me pregou uma peça 

Charlotte von Mahlsdorf



Goodbye to Berlin, livro de Christopher Isherwood, foi o romance autobiográfico que inspirou o famoso filme de Bob Fosse (não muito fiel ao livro em seus detalhes “sexuais”) Cabaret, lançado em 1972. Na grande tela Liza Minelli como a extravagante cantora de boate, Sally Bowles e Michael York como Brian Roberts (ou Christopher Isherwood). O livro foi publicado pela primeira vez em 1939, na altura em que eclodia a Segunda Guerra Mundial. 

O estudante da Universidade de Cambridge, Brian Roberts, chega a Berlim em 1931 para continuar com seus estudos de alemão. Sem muito dinheiro, planeja ganhar a vida ensinando inglês enquanto mora em uma pensão barata, onde faz amizade com uma das inquilinas, a americana Sally Bowles. Ela, uma pessoa extravagante e sempre feliz, trabalha como cantora no decadente Kit Kat Klub, um local estilo cabaré. A "fachada externa" carregada de Sally combina com a do Klub. Ela é assessorada pelo onipresente Mestre de Cerimônias do local. Sally atrai Brian para seu mundo, inicialmente desejando tê-lo como mais um de seus muitos amantes, até descobrir que, embora disponível, pois solteiro, é homossexual. Entre outros amigos estão os alunos de Brian, o pobre Fritz Wendel, que quer ser um gigolô para viver uma vida confortável, e a certinha e bela Natalia Landauer, uma rica herdeira judia. Fritz inicialmente vê Natalia como seu bilhete de loteria, mas termina por se apaixonar por ela. No entanto, Natalia suspeita de seus motivos, além de não conseguir superar suas diferenças religiosas. Também na vida de Sally e Brian entra o rico Barão Maximilian von Heune, que tem a mesma visão de vida extravagante de Sally, mas diferentemente dela, com dinheiro para sustentar-se. Max está disposto a bajular seus novos amigos com presentes e favores. Aproximando-se de todos eles está o terror nazista, a que eles parecem dar pouca atenção e não tomarem o cuidado necessário naquelas circunstâncias. Acabam tendo que aprender que a vida, em todos os seus aspectos bons e particularmente ruins, continua a aprontar com eles e com todos os outros a seu redor.(2) 


    Li o livro de Isherwood quando ainda vivia em Colônia, muito antes de ter estado em Berlim. Influenciou-me muito, naquela altura. Conseguiu despertar em mim um interesse especial pela história de Berlim na perspectiva daquela época, qual seja, da grande liberdade, especialmente no campo da  sexualidade, se comparado com o que acontecia em outras cidades europeias. Ver que nos anos 1930/40 já havia um certo avanço nessa direção, caso seja levado em conta a realidade de outras metrópoles como Londres, era estimulante para buscar saber mais acerca desse lado, pouco contado, da história social urbana alemã, bem como de Berlim. Nos anos noventa, quando em Berlim, fomos conhecer a casa/museu Charlotte von Mahlsdorf na antiga parte oriental da cidade (República Democrática da Alemanha, ex-DDR). Uma figura icônica que confrontou os conservadores de sua época e, pasmem, viveu não apenas abertamente como gay, onde e quando não deveria haver “gays” pelo menos oficialmente, indo muito além disso. Charlotte von Mahlsdorf foi um bastião contra a homofobia e pela promoção de conhecimento sobre a homossexualidade, um grande tabu na época e local em que viveu. No entanto ela não conquistou apenas admiração e respeito por seu passado de luta e engajamento. As dúvidas que pairaram sobre acontecimentos de sua vida pregressa, as suspeitas sobre suas relações perigosas com a Stasi, a principal organização de polícia secreta e inteligência da DDR, comprometeram sua reputação. Relações que levantaram suspeitas, com razão, e fizeram com que seu museu e ela mesma se tornassem, muitas vezes, vítima de ataques violentos de diferentes pessoas e grupos anti-fascistas. 

Se ela tivesse 30 e poucos anos e não 72, muitos, certamente, teriam decidido considera-la uma pessoa que desistiu. Charlotte von Mahlsdorf, que como uma transexual de Berlim Oriental e dona do Museu Mahlsdorf Gründerzeit se tornou uma berlinense proeminente após a reunificação, emigrou para a Suécia há dois anos. Os verdadeiros outsiders geralmente preferem países mais a sul com temperaturas mais quentes, como Portugal ou Marrocos. No entanto, Charlotte, nascida como Lothar Berfelde, sempre foi diferente das outras pessoas. Sua frase padrão, que ele repete para todos com quem fala, até já foi registrada em celulóide no lendário filme gay de Heiner Carow "Coming Out": "A natureza me pregou uma peça”. Em meados da década de 1990, a grande dama dos relógios de pêndulo e dos armários ganhou as manchetes porque seus contatos com a Stasi puderam ser comprovados. Embora não negasse, sempre enfatizou que "simplesmente se meteu naquilo", mas nunca prejudicou ninguém. Tudo o que fez foi apenas por seus objetos e móveis. (Simone Schmollack, welt.de). 





Foto 2: Visita ao Museu Mahlsdorf


    Sua vida também foi contada no semidocumentário dirigido por Rosa von Praunheim, que mostra o percurso da travesti da antiga Alemanha Oriental Charlotte von Mahlsdorf, sobrevivente do nazismo e da repressão comunista e fundadora de um dos principais refúgios para homossexuais em seu país, fechado a essa realidade. Nos Estados Unidos virou "I Am My Own Wife” na Broadway pelas mãos de Doug Wright baseado nas conversas que teve com Charlotte von Mahlsdorf. Em Portugal tomou corpo no teatro com a tradução “Eu sou minha própria mulher”. 

 



Foto 3: Cartaz da peça "Eu Sou Minha Própria Mulher"




    Edwin Luisi, aos 61 anos,  em plena maturidade no ofício de ator resolveu produzir sua primeira montagem teatral. O ator levou para os palcos a história real de Charlotte von Mahlsdorf, essa sobrevivente bastante singular da Alemanha nazista. 


Nascida na Alemanha em 1928, Charlotte von Mahlsdorf era, na verdade, Lothar Berfelde, um homem que, desde sua adolescência, se travestia de mulher. O espetáculo "Eu Sou Minha Própria Mulher", que marca a primeira direção de Herson Capri, conta a história desse alemão que, como diz o texto da peça, mesmo reto parecia ter seios e, para se tornar uma mulher, só precisava de seu colar de pérolas e uma longa saia preta. Nascida e criada na Alemanha Oriental, ela sobreviveu ao nazismo e depois ao comunismo mantendo um cabaré clandestino e montando um museu. Uma história que tem ingredientes como a violência, o amor e o preconceito. Edwin Luisi, sozinho no palco, interpreta, além de Charlotte, todos os outros personagens que fizeram parte da vida dela.(3)


Já o romance de Isherwood que me levou a querer saber mais da história desses anos de ouro de Berlim, é autobiográfico e ambientado numa Berlim do início da década de 1930, quando a cidade estava prestes a perder sua fama de centro da arte, música, design, boemia e decadência, “à medida em que a ruína econômica começava a fazer parte da vida cotidiana e a violência nazista se afirmava nas ruas, enquanto Hitler iniciava sua marcha para se tornar o Führer”. 



Outono de 1930: Isherwood mora em um “apartamento grande e sujo” numa rua bastante movimentada, onde prostitutas se reúnem ao pé de sua janela. O apartamento é de propriedade da “nova-pobre” Fräulein Schroeder, que seguiu o destino dos demais compatriotas ao se tornar, também, uma de tantas a passar por tempos difíceis. Para ela, o “Herr Issyvoo” é objeto de grande curiosidade e interesse, assim como seus demais inquilinos, em número de seis, que deixaram-na dormir em um sofá velho da sala para que ela pudesse ganhar mais alguns Deutsche Mark alugando os demais cômodos de sua casa. 

Apesar de ter se mudado de uma Londres conservadora e homofóbica e, ainda por cima, vindo de uma família igualmente conservadora para uma Berlim tolerante e avant-garde com inúmeros bares gays, teatros, cabarés, ainda pode desfrutar de uma experiência libertária no pouco tempo que isso durou. Já chegou à cidade quando esse “paraíso" na terra se desfazia. “Tolerância e aceitação estavam prestes a serem esmagadas pelo regime nazista, quando o antissemitismo e a intolerância se tornaram parte da conversa dos alemães comuns em busca de bodes expiatórios para seus problemas econômicos”. O próprio Christopher teria corrido grande perigo de ser capturado pelos nazistas caso não tivesse fugido a tempo de Berlim. A literatura de Christopher foi um alerta e uma denúncia dos horrores que ainda estavam por vir dominar a cidade que era conhecida como tolerante e permissiva: a primeira cidade do mundo a criar uma associação homossexual com o objetivo de proteger sua população gay e lésbica, para que assim eles obtivessem reconhecimento e proteção da perseguição pelo Estado. Essa associação inovadora remonta ao ano de 1897, o que significa ter sido criada há bem mais de um século. O boom de bares e clubes na década de 1920 foi substituído pelo difícil período que começou em 1934. A população local que sobreviveu à guerra e apesar do que passaram naqueles tempos difíceis, buscava uma forma de voltar a viver nos igualmente difíceis tempos do pós-guerra, desta feita com alguma esperança de superação. Em 1946,  bailes e festas logo voltaram a crescer e formar, gradativamente, uma cena alternativa na cidade até alcançar seu  estágio atual. Apesar de ter perdido muito da abertura e significado avangardista do seu passado, continua sendo um cenário de muitas opções, associações, museus e eventos nessa que é uma das capitais mais cosmopolitas na Europa.




Foto 4: Placa na casa onde morou Christopher Isherwood em Berlim.


    Para uma reconciliação (Wiedergutmachung) com esse passado autêntico da cidade, começo por descrever certas ruas da região nos dias de hoje, dessa mesma região que abrigou as histórias e a vida berlinense de Christopher. Esse será nosso ponto de partida. Aliás, comecemos pela Nollendorfplatz, no distrito de Schöneberg, um ponto de confluência da cena gay e lésbica desde a década de 1920. Passemos para as tais ruas “de que vos falava” para que possa mostrar o que me chamou a atenção. A Berlim de hoje, congrega muitas tribos e, nessa região principalmente (mas não somente), a cultura queer. “Fugger” ou “Fuggerstraße” e Motzstraße são duas dessas ruas. Muito do flair da Berlim colorida e gay friendly que antecedeu o nazismo voltou a reinar por aqui. Há uma coexistência de sub-culturas que, como bem afirma Karen Noetzel, remete aos Golden Twenties:

Aí, logo que se vira a esquina, na Martin-Luther-Strasse, "Tout Berlin" se reunia entre 1926 e 1932 no atrativo primeiro "Eldorado", uma "companhia de travestis encenada pela e para a curiosidade cosmopolita"… Na época, estava na moda passar a noite por aqui. Os convidados eram diretores de bancos, membros do Reichstag e estrelas como Marlene Dietrich, Claire Waldoff e Anita Berber, jornalistas e escritores proeminentes como Egon Erwin Kisch e Ferdinand Bruckner, o sexólogo Magnus Hirschfeld e o chefe da SA Ernst Röhm… Fundado em 1920, o "Scala" foi um dos teatros de variedades mais famosos da Alemanha… O "Scala", anteriormente em grande parte de propriedade judaica, foi "arianizado"... Após extensa destruição no grande ataque aéreo em novembro de 1943, o teatro cabaré "Die Wühlmäuse" usou as salas que haviam sido preservadas, como local para jogos. Foi demolido mais tarde... (Karen Noetzel do bairro Schoeneberg).


Um nome precisa ser destacado na história de Berlim, principalmente no que se refere ao tema da homossexualidade: Magnus Hirschfeld. O Dr. Hirschfeld foi um sexólogo que conseguiu mudar o modo de se ver a homossexualidade no seu tempo: "Posso dizer que se os homossexuais em Berlim agora recebem uma 'new way of life', tão única, é sobretudo graças ao nosso movimento iluminista, sem, evidentemente, querer ser responsabilizado por certos excessos que também aqui se instalaram ao longo do tempo..”, afirma Hirschfeld. Detalhes sobre o engajamento do Dr. Magnus Hirschfeld para os direitos homossexuais e da idealização da vida cosmopolita berlinense na narrativa de Isherwood só fui conhecer melhor bem depois da minha chegada à Áustria e à Alemanha nos anos de 1981 e 1991. Novas leituras vieram com o livro que encontrei na casa do meu anfitrião na cidade de Berlim intitulado “Das andere Berlin”, de Robert Beachy, publicado pela editora Sieder, um verdadeiro tratado da história gay de Berlim. O original data de 2014 e foi escrito em inglês: “Gay Berlin. Birthplace of a Modern Identity”. Votando ao Dr. Hirschfeld, nota-se que, dado o ineditismo do seu trabalho, não precisava de modéstia ao descrever o muito que fez para a causa gay. Em um artigo de 1922 para a revista gay de Berlim, "Die Hoffnung" (A Esperança), já se colocava com argumentos "científicos" em defesa de uma descriminalização da homossexualidade, conceito inexistente na época e algo impensável de se defender publicamente: 

Magnus Hirschfeld conseguiu convencer a polícia criminal de Berlim de que a homossexualidade não era um "vício adquirido", mas inerradicável. Os funcionários então perceberam que era mais fácil manter as "bichas" sob controle se lhes fosse dada liberdade. A esse respeito, não apenas ele, como médico e reconhecido especialista em questões de sexualidade, mas também seus camaradas políticos no "Comitê Científico Humanitário" (WhK), fundado em 1897, tiveram sua participação em uma florescente comunidade homossexual, subcultura que, no entanto, foi pisoteada e rápida e novamente esmagada, desta feita pelas botas dos nacional-socialistas.(4)

 Foto 5: Monumento ao primeiro movimento de emancipação homossexual. 

    Para mostrar a relevância desse período libertador de Berlim e do movimento que tinha a frente o Dr. Hirschfeld, a aliança contra a homofobia realizou por toda a cidade em 2013 uma campanha com cartazes que traziam o seguinte slogan Um tempo negro para o mundo começou em Berlim. Mas também o  movimento mais colorido que já existiu”. Em 7 de setembro de 2017, o monumento ao primeiro movimento de emancipação homossexual foi inaugurado às margens do rio Spree, entre as pontes Luther e Moltke, em Berlim. Há hoje uma Sociedade que busca preservar o legado científico e cultural de Magnus Hirschfeld e seu Instituto de Ciências Sexuais, nomeadamente, a Sociedade Magnus Hirschfeld, que tem, ademais de uma biblioteca, várias salas de trabalho/estudo  e se localiza no bairro Berlin-Tiergarten.

    Fuggerstraße é, ao mesmo tempo, destino e passagem: seja para ir ao restaurante mexicano "Frida y Diego", uma boa opção de extravagância na decoração e variedade no cardápio, a um mais contemporâneo, o "Elefant", seja para seguir em busca de um café com as famosas tortas alemãs, por exemplo o Café Kalwil na Motzstraße, cuja decoração excede o barroco. É lá, onde antes me refestelava com seus pecados doces e, mais recentemente, limito-me ao que é possível, resistindo ao rol de tortas e bolos expostos, "tentadoramente", na vitrine art déco. A idade exige alguns sacrifícios e controles alimentares. Vale a pena se sentar em um dos muitos cafés que são facilmente avistados na região e aproveitar as especialidades da culinária tradicional alemã e internacional. A rua Fugger é, poertanto, uma passagem estratégica para muitos locais gays de variada natureza; alguns ainda se quer frequentar, outros são dispensados, já não nos interessam ou nunca interessaram; há também muitas livrarias especializadas na cultura queer, viagens específicas para esse público, e até mesmo corretoras de imóveis do ramo. Ali se encontra uma grande oferta em hotéis, saunas, além de uma variedade de estabelecimentos voltado ao público gay. Há sempre alguma coisa para todos os gostos nesse bairro que mistura diversas "tribos" e já na época do Christopher primava em ser aberto e inclusivo.




Photo 6: Nollendorfplatz U-Bahnstation


    A área que ao redor de Nollendorfplatz tem sido a meca dos gays desde a década de 1920 com seu “Eldorado” do passado. Na Nollendorfstraße 17, uma placa em homenagem ao ilustre Christopher Isherwood, nosso escritor instigante e morador famoso do bairro. Para expor uma ideia de tolerância na região e “marcar território”, a bandeira do arco-íris é vista em profusão, seja em janelas de casas e apartamentos ou em prédios comerciais. 


Nollendorfstraße 17

Aqui viveu Christopher Isherwood entre 1929 e

1933. 


Na Fuggerstraße e Motzstraße passando pela Maaßenstraße e Nollendorfplatz, uma variedade de bares, clubes, restaurantes e lojas direcionadas, principalmente ao público gay, fazem do “Nollendorfkiez (distrito de Nollendorf)“ uma espécie de pequena San Francisco. Atente-se  para a placa em homenagem às vítimas gays e lésbicas do nacional-socialismo que foi afixada na parede externa da estação de metrô Nollendorfplatz. 


Foto 7: Placa em homenagem às vítimas gays e lésbicas do nacional-socialismo

    Berlim é uma metrópole e como tal guarda não somente boas surpresas. Como em todo bairro “arco-íris” e boêmio, Nollendorfkiez também guarda certos recantos com histórias desagradáveis. Há um pequeno playground na área, localizado estrategicamente na esquina da Fuggerstraße com a Eisenacher Straße em Schöneberg, uma região com vários bares, no qual alguns garotos de programa se encontram e ficam à espera de eventuais clientes que por ali passem. Sabe-se, seja pela imprensa ou por relatos, de muitas histórias de assaltos, assédios, principalmente tendo como vítimas pessoas mais idosas, que se aventuram por ali. Apesar de ser necessário redobrar a atenção nesses locais do bairro, nada consegue tirar seu glamour; nada impede o prazer de um passeio sozinho, com a família,  amigos ou, no caso, de mãos dadas com seu/sua namorad@! Aqui não precisa ser Christopher Street Day para se  portar com liberdade e exposição. Algo simples, do cotidiano de um bairro/cidade que se acostumou a conviver com as diferenças e a lutar por defendê-las. Uma alternativa para ir à região é descer na estação de metrô Wittenbergplatz, que leva também à região dessas ruas coloridas. Também considerada uma jóia arquitetônica, a estação de Wittenbergplatz, leva diretamente à Tauentzienstraße com sua famosa loja de departamentos “KaDeWe” e muitas outras lojas e estabelecimentos gastronômicos de igual poder de atração (Anziehungskraft). Gosto, particularmente, de descer nessa estação para flanar pelas largas calçadas com suas muitas lojas de rua. N’import quoi, foi luxo, semiluxo ou popular se encontra por aqui. 


Photo 8: Wittenbergplatz metro station


Este é um passeio que remete a certas lembranças “recuerdos” dos tempos em que ainda havia o muro de Berlim. Um passeio atual nesses tempos sem muros, um “esquenta” para depois cair na gandaia. Começando com uma visita à loja “KaDeWe” (Kaufhaus des Westens), símbolo da vida entre o “comunismo e o capitalismo, DDR x Deutschland”; antigo sonho de consumo de muitos alemães na cidade dividida e, ainda hoje, de muitos turistas. O prédio reconstruído no pós-guerra traz, nos seus sete andares, uma amostra do que seria a maior e mais famosa loja de departamentos da Alemanha. Além de mercearias e lojinhas, há também restaurantes e cafés. Objetos, roupas e gastronomia, tutti quanti nos diferentes pisos, além da grande variedade em perfumaria e similares, no andar térreo. Não falta um serviço de cuidados pessoais just on time que é atrelado à venda de algum cosmético. O self service é um convite permanente para quem quer evitar restaurantes de rua e fazer uma refeição ali mesmo. Recomendo o salmão acompanhado por uma variedade de legumes e saladas, se quiser ser exótico é só acrescentar uma porção de Sauerkraut. Depois disso, por que não descer um andar e procurar um dos muitos cafés com suas Delikatessen deliciosas? Para chocólatras e alcohol friends há os dois em abundância e com categoria; tanto para consumo local como para quem quer levar alguma coisa especial de presente na bagagem. Sem esquecer que cá estão também as marcas de Londres, Milão, Paris etc. Saindo da “KaDeWe”, se não quiser continuar com a onda consumista (Konsumwahn), o melhor é sair em direção à Fugger- ou Motzstraße e/ou vizinhança para ver o que está acontecendo em seus diferentes locais, seja noite ou dia.



Foto 9: Der neue Oldtimer

    Alí perto há um desses locais que gosto de mencionar. Trata-se do "Der neue Oldtimer". Liderado por sua proprietária, uma senhora nos seus mais de setenta anos, é um bric-à-brac de seres e objetos. Compensa ir para um after hour, pois nesse período pode-se ter mais sossego por lá. Já no verão é até possível sentar-se fora, no jardim que é protegido por uma cerca verde meio improvisada, que dá para a movimentada Lietzenburger Straße. Até lembra uma casa de campo no meio da cidade. A senhora proprietária gosta de cumprimentar a todos que adentram o recinto, e para quem bebe, até brinda oferecendo uma pequena Schnapps ao pé do balcão. Meu amigo, quase um habitué, a conhece, e vice-versa, o que o torna o destino de seus cumprimentos calorosos cada vez que é percebido em nossa chegada. Por extensão recebo os mesmos calorosos cumprimentos. Com sua voz grave, peruca um tanto anacrônica mas bem penteada e trajes sempre exageradamente brilhosos, estende a mão direita e faz questão de perguntar como estamos. Acho o local pitoresco e, por isso, vamos lá de passagem, vez ou outra (hin und wieder), eu para tomar uma Apfelschorle enquanto meu amigo, um Cabernet

Não posso esquecer de indicar, principalmente aos que se dedicam ou, de algum modo, se interessam ou têm curiosidade pelos “Queerstudies”, uma visita ao, também localizado na região, Schwules Museum de Berlim (Museu gay de Berlim). Ali sempre será possível, de algum ângulo específico ou original, ver o mundo da cena gay, lésbica e transgênera em diversas abordagens histórias e ilustrativas. Há também exposições temporárias. Essa junção de exposições, biblioteca e arquivos fazem do museu um lugar ideal para a pesquisa, preservação e divulgação da história e cultura queer. O museu foi inaugurado em 1985 e se encontra no distrito de Tiergarten. 


Berlim, abril de 2023 e setembro de 2022.

Antonio C. R. Tupinambá

_______________________________________

(1) As fotos são do acervo do autor (apenas a Foto 3 não é autoral)

(2) https://www.imdb.com/title/tt0068327/

(3) https://www.otempo.com.br/entretenimento/magazine/historia-real-de-um-sobrevivente-1.307939

___________________________________________________________

English version:

*The Berlin that is not just in the past or a Goodbye to Berlin 

Photo 1:  District of Schöneberg (1)


Nature played a trick on me

Charlotte von Mahlsdorf


Goodbye to Berlin, a book by Christopher Isherwood, was the autobiographical novel that inspired the famous Bob Fosse’s film “Cabaret” released in 1972 (It was not very faithful to the book in its sexual” details) On the big screen Liza Minelli as the extravagant singer of a nightclub, Sally Bowles and Michael York as Brian Roberts (or Christopher Isherwood). The book was first published in 1939, at the time of the outbreak of the Second World War. Cambridge University student Brian Roberts arrives in Berlin in 1931 to continue his German studies. Without much money, he plans to make a living by teaching English while living in a cheap boarding house, where he befriends one of the tenants, the American Sally Bowles. She, an extravagant and always happy person, works as a singer at the decadent Kit Kat Klub, a cabaret-style venue. Sally's charged "outer facade" matches that of the Klub. She is advised by the omnipresent Master of Ceremonies of the place. Sally attracts Brian into her world, initially wanting to have him as one of her many lovers, until she discovers that, although available, as he is single, he is homosexual. Among other friends are Brian's students, the poor boy Fritz Wendel, who wants to be a gigolo to live a comfortable life, and the prim and beautiful Natalia Landauer, a rich Jewish heiress. Fritz initially sees Natalia as his lottery ticket, but ends up falling in love with her. However, Natalia is suspicious of his motives, as well as being unable to overcome their religious differences. Also in the lives of Sally and Brian enters the rich Baron Maximilian von Heune, who has the same vision of an extravagant life as Sally, but unlike her, with money to support himself. Max is willing to flatter his new friends with gifts and favors. Although the Nazi terror is uprising at that moment, they seem to pay little attention to that and they don’t take the necessary care under these circumstances. They end up having to learn that life, in all its good and particularly bad aspects, continues to mess with them and everyone else around them.(2)

I read Isherwood's books when I was still living in Cologne, long before I visited Berlin to the first time. I was very touched by Isherwood´s writings: “A single man”, “The memorial” and “Goodbye to Berlin”. It was mainly the third one that mobilized me to seek more information about the history of Berlin, especially from the perspective of its freedom and advances in the sexual field. In other European cities at that time, in the 1930s/40s Berlin showed already a certain advance in this direction, if compared with other metropolises such as London. It was stimulating to seek to know more about this little-told side of German as well as Berlin urban social history. In the nineties, when in Berlin, we went to visit the Charlotte von Mahlsdorf house/museum in the old eastern part of the city (German Democratic Republic, former DDR). An iconic figure who confronted the conservatives of his time and, amazingly, lived not only openly as gay, going even much further than that. It worth to remember that this happened in a time and place when there shouldn't be gays” at least officially. Charlotte von Mahlsdorf was a bulwark against homophobia and for promoting knowledge about homosexuality, a major taboo in the time and place in which she lived. However, she not only won admiration and respect for her past of struggle and engagement. The doubts that hovered over events in her previous life, the suspicions about her dangerous relations with the Stasi, the DDR's main secret police and intelligence organization, compromised her reputation. Relationships that aroused suspicion, rightly so, and meant that her museum and herself often became victims of violent attacks by different people and anti-fascist groups.

If she had been in her early 30s and not 72, many would certainly have decided to consider her a person who gave up. Charlotte von Mahlsdorf, who as a transsexual from East Berlin and owner of the Mahlsdorf Gründerzeit Museum became a prominent Berliner after reunification, emigrated to Sweden two years ago. True outsiders generally prefer countries further south with warmer temperatures, such as Portugal or Morocco. However, Charlotte, born Lothar Berfelde, has always been different from other people. Her stock phrase, which she repeats to everyone she speaks to, was even captured on celluloid in Heiner Carow's legendary gay film "Coming Out": "Nature played a trick on me." In the mid-1990s, the grande dame of the pendulum clocks and the cabinets made headlines because his contacts with the Stasi could be proven. Although she did not deny it, she always emphasized that she "just got into it", but she never harmed anyone. Everything she did was only for her objects and furniture (Simone Schmollack, welt.de). 

Photo 2: Visit to the Museum Mahlsdorf

The semi-documentary directed by Rosa von Praunheim, which shows the journey of the former East German transvestite Charlotte von Mahlsdorf, survivor of Nazism and communist repression and founder of one of the main refuges for homosexuals in her country. In the United States it became "I Am My Own Wife” on Broadway by Doug Wright based on conversations he had with Charlotte von Mahlsdorf. In Portugal it took shape in the theater with the translation I am my own wife”.


 Photo 3: Poster for the play “I Am My Own Woman”

Edwin Luisi, at 61 years old, in full maturity as an actor, decided to produce his first theatrical play. The actor brought to the stage the real story of Charlotte von Mahlsdorf, this very unique survivor of Nazi Germany.

Born in Germany in 1928, Charlotte von Mahlsdorf was, in fact, Lothar Berfelde, a man who, since his adolescence, had disguised himself as a woman. The play “I am my own wife", which marks Herson Capri's first direction, tells the story of this German man who, as the text of the play says, even when he was straight he seemed to have breasts and, to become a woman, he only needed his pearl necklace and a long black skirt. Born and raised in East Germany, she survived Nazism and then Communism by running a clandestine cabaret and setting up a museum. A story that has ingredients such as violence, love and prejudice. Edwin Luisi, alone on stage, plays, in addition to Charlotte, all the other characters that were part of her life.(3)

Isherwood's novel, which made me want to know more about the history of Berlin's golden years, is autobiographical and set in Berlin at the beginning of the 1930s, when the city was about to lose its reputation as a center of art, music, design, bohemia and decadence, as economic ruin began to become part of everyday life and Nazi violence took hold in the streets, while Hitler began his march to become the Führer”.

Autumn 1930: Isherwood lives in a large, dirty apartment” on a busy street, where prostitutes gather outside his window. The apartment is owned by the new poor” Fräulein Schroeder, who followed the fate of her other compatriots by also becoming one of many to go through difficult times. For her, Herr Issyvoo” is an object of great curiosity and interest, as well as his other tenants, altogether six, who let her sleep on an old sofa in the living room so that she could earn a few more Deutsche Mark by renting out the other rooms in her home. Despite having moved from a conservative and homophobic London and, on top of that, coming from an equally conservative family to a tolerant and avant-garde Berlin with countless gay bars, theaters, cabarets, he could still enjoy a libertarian experience in a short remained time for that. He arrived in the city just as this paradise" on earth was falling apart. Tolerance and acceptance were about to be crushed by the Nazi regime, when anti-Semitism and intolerance became part of the conversation of ordinary Germans looking for scapegoats for their economic problems ". Christopher himself would have been in great danger of being captured by the Nazis if he had not fled Berlin in time. Christopher's literature was a warning and a denunciation of the horrors that were yet to come to dominate the city that was known as tolerant and permissive: the first city in the world to create a homosexual association with the aim of protecting its gay and lesbian population, so that they could obtain recognition and official protection from persecution. This innovative association dates back to 1897, which means it was created well over a century ago. The boom of bars and clubs in the 1920s was replaced by the difficult period that began in 1934. The local population who survived the war and despite what they went through in those difficult times, were looking for a way to live again in the equally difficult post-war times, but a new time with some hope of overcoming. In 1946,  balls and parties soon grew again and gradually formed an alternative scene in the city until reaching its  current stage. Despite having lost much of the openness and avant-garde significance of its past, it continues to be a setting for many options, associations, museums and events in what is one of the most cosmopolitan capitals in Europe. 

Photo 4: Plaque on the house where Christopher Isherwood lived in Berlin.

For a reconciliation (Wiedergutmachung) with this authentic past of the city, I begin by describing certain streets in the region today, in the same region that was home to Christopher's stories and Berlin life then. This will be our starting point. In fact, let's start with Nollendorfplatz, in the Schöneberg district, a point of confluence of the gay and lesbian scene since the 1920s. Let's move on to those streets “about which I have been talking to you before” so I can show you what caught my attention in them. Today's Berlin brings many tribes together and, in this region mainly (but not only), the queer culture. Fugger” or Fuggerstraße” and Motzstraße are two such streets. Much of the flair of the colorful and gay-friendly Berlin that preceded Nazism reigned here again. There is a coexistence of sub-cultures that, as Karen Noetzel rightly states, takes us back to the Golden Twenties:

There, as soon as you turn the corner, on Martin-Luther-Strasse, "Tout Berlin" met between 1926 and 1932 in the attractive first "Eldorado", a "transvestite company staged by and for cosmopolitan curiosity"... At the time, it was fashionable to spend the night here. The guests were bank directors, members of the Reichstag and stars such as Marlene Dietrich, Claire Waldoff and Anita Berber, prominent journalists and writers such as Egon Erwin Kisch and Ferdinand Bruckner, sexologist Magnus Hirschfeld and SA chief Ernst Röhm… Founded in 1920, The "Scala" was one of the most famous variety theaters in Germany... The "Scala", previously largely Jewish-owned, was "aryanized"... After extensive destruction in the great air raid in November 1943, the cabaret theater "Die Wühlmäuse" used the rooms that had been preserved as a Casino. It was later demolished... (Karen Noetzel from the Schoeneberg neighborhood).

A special name needs to be highlighted in the history of Berlin when it comes to the issue of homosexuality: Magnus Hirschfeld. Dr. Hirschfeld was a sexologist who managed to change the way homosexuality was seen in his time: "I can say that if homosexuals in Berlin now receive a 'new way of life', so unique, it is above all thanks to our Enlightenment movement, without, of course, wanting to be held responsible for certain excesses that have also taken hold here over time..”, states Hirschfeld. I just came to know better details about Dr. Magnus Hirschfeld's commitment to homosexual rights and about the idealization of Berlin's cosmopolitan life in the narrative of Isherwood later after my arrival in Austria and Germany in 1981 and 1991. Even new readings about that subject just came to me after finding a book at my host's house in Berlin entitled Das andere Berlin”, by Robert Beachy, published by Sieder. This book is a true treatise on the gay history of Berlin. Its original  publication dates back to 2014 and was in English: Gay Berlin. Birthplace of a Modern Identity”. Let’s talk again about Dr. Hirschfeld: it is clear that, given the originality of his work, there was no need for his modesty when describing how much he did for the gay cause. In a 1922 article for the Berlin gay magazine, "Die Hoffnung" (Hope), he already put forward "scientific" arguments in defense of the decriminalization of homosexuality, a concept that did not exist at the time and something unthinkable to be defended publicly:

Magnus Hirschfeld managed to convince the Berlin criminal police that homosexuality was not an "acquired vice", but ineradicable. The officials then realized that it was easier to keep the "fags" under control if they were given freedom. In this regard, not only he, as a doctor and recognized expert on sexuality issues, but also his political comrades in the "Humanitarian Scientific Committee" (WhK), founded in 1897, took part in a flourishing homosexual community, a subculture that, however, was trampled quickly and crushed again, but this time by the boots of the National Socialists.(4) 

Photo 5: Monument to the first homosexual emancipation movement.

To show the relevance of this liberating period in Berlin as well as the movement led by Dr. Hirschfeld, the alliance against homophobia carried out a campaign throughout the city in 2013 with posters bearing the following slogan “A dark time for the world began in Berlin. But also the most colorful movement that ever existed.” On September 7, 2017, the monument to the first homosexual emancipation movement was inaugurated on the banks of the River Spree, between the Luther and Moltke bridges in Berlin. Today there is a Society that seeks to preserve the scientific and cultural legacy of Magnus Hirschfeld and his Institute of Sexual Sciences, namely, the Magnus Hirschfeld Society, which has, in addition to a library, several work/study rooms and is located in the Berlin-Tiergarten District.

Fuggerstraße is, at the same time, destination and passage: whether to go to the Mexican restaurant "Frida y Diego", a good option for extravagance in decoration and variety in the menu, to a more contemporary one, "Elefant", or to continue in search of a café with famous German pies, for example Café Kalwil on Motzstraße, whose decor exceeds baroque. It is there, where I used to revel in its sweet sins and, more recently, limit myself to what is possible, resisting the list of pies and cakes displayed, "temptingly", in the art deco window. Age requires some sacrifices and dietary controls. It's worth sitting in one of the many cafes that are easily seen in the region and enjoying the specialties of traditional German and international cuisine. Fugger Street is, therefore, a strategic passage to many gay places of varying nature; which some people still want to attend, other places are dismissed, they no longer interest us or never did; there are also many in queer culture specialized bookstores or in specific trips for this audience, and even real estate agents in the field. There you will find a wide range of hotels, saunas, as well as a variety of establishments aimed at the gay public. There is always something for all tastes in this neighborhood that mixes different public and even in Christopher's time was already known as open and inclusive. 

Photo 6: Nollendorfplatz Station

The area around Nollendorfplatz has been a gay mecca since the 1920s with its Eldorado” of yesterday. At Nollendorfstraße 17, a plaque commemorating the illustrious Christopher Isherwood, our thought-provoking writer and famous resident of the neighborhood. To expose an idea of tolerance in the region and “to define their own territory”, the rainbow flag is seen in profusion, whether in windows of houses and apartments or in commercial buildings.

On Fuggerstraße and Motzstraße and along Maaßenstraße and Nollendorfplatz, we can see a variety of bars, clubs, restaurants and shops aimed, mainly at the gay public, which make Nollendorfkiez (Nollendorf district)“ a kind of little San Francisco. It is worth to pay attention  to the gay and lesbian victims of National Socialism commemorating plaque that was posted on the outside wall of the Nollendorfplatz metro station. 

Photo 7: Plaque in honor of the gay and lesbian victims of National Socialism

Berlin is a metropolis and as such holds not only good surprises. As in every rainbow” and bohemian neighborhood, Nollendorfkiez also has certain corners with unpleasant stories. There is a small playground strategically located on the corner of Fuggerstraße and Eisenacher Straße in Schöneberg, an area with several bars, where some boys meet and wait for any customers who pass by. It is known, whether through the press or reports, of many stories of robberies and harassment, mainly involving older people who dare to venture there as victims. Although it is necessary to pay extra attention to places like that in the neighborhood, nothing can take away the glamour of the Keitz; nothing stops the pleasure of a lonely promenade, or with some family members, friends or, even, hand in hand with a girl/boyfriend! It doesn't have to be Christopher Street Day here to behave with freedom and exposure. Something simple, from everyday life in a neighborhood/city that has become accustomed to living with differences and fighting to defend them. A good alternative to go to the region is to get off at the Wittenbergplatz metro station, from where you can go easily to the area of these colorful streets. Also considered an architectural jewel, Wittenbergplatz station leads directly to Tauentzienstraße with its famous KaDeWe” department store and many other equally attractive shops and gastronomic establishments. I particularly like getting off at this station to stroll along the wide sidewalks with their many street shops. Nimport quoi, if you look for some luxury, semi-luxury or popular you will certainly find here. 


Photo 8: Wittenbergplatz metro station

This is a tour that brings back certain retro” memories of the times when the Berlin Wall still existed. A current strolling in these times without walls to limit your way as a warm up” to the night fever. Starting with a visit to the KaDeWe” (Kaufhaus des Westens) store, a symbol of life between communism and capitalism, DDR x Deutschland”; an old consumer dream of many Germans in the divided city and, even today, of many tourists. The building rebuilt in the post-war period features, on its seven floors, a sample of what would be the largest and most famous department store in Germany. In addition to grocery stores and shops, there are also restaurants and cafes. Objects, clothes and gastronomy, all on the different floors, in addition to the wide variety of perfumes and similar items, on the ground floor. There is no shortage of just-on-time personal care services linked to the sale of cosmetics. Self service restaurants are a permanent invitation for those who want to avoid street food and have a meal right there. I recommend the salmon accompanied by a variety of vegetables and salads, and if you want to be exotic just add a portion of Sauerkraut to it. After that, why not go down one floor and look for one of the many Cafes with their delicious Delikatessen? For chocoholics and alcohol friends there are both in abundance and with category; both for local consumption and for those who want to take something special as a gift in their luggage. Without forgetting that brands from London, Milan, Paris, etc. are also here. Leaving KaDeWe”, if you don't want to continue with the consumerist wave (Konsumwahn), the best thing is to go out towards Fugger- or Motzstraße and/or the neighborhood to see what is happening in its different locations, whether night or day. 

Photo 9: Der neue Oldtimer

Nearby there is one of those places that I like to mention. This is "Der neue Oldtimer". Led by its owner, a “lady” in her seventies, it is a bric-à-brac of beings and objects. It's worth going for an after hour, as during this period you can have more peace and quiet there. In summer, it is even possible to sit outside, in the garden, which is protected by a semi-improvised green fence, which overlooks the busy Lietzenburger Street. It even resembles a country house in the middle of the city. The owner likes to greet everyone who enters the premises, and for those who drink, she even toasts by offering a small Schnapps at the counter. My friend, almost a habitué, knows her, and vice versa, which makes him the target of her warm greetings each time he is noticed upon our arrival. By extension I receive the same warm greetings. With her deep voice, somewhat anachronistic but well-combed wig and always exaggeratedly shiny outfits, she extends her right hand and makes a point of asking how we are. I think the place is picturesque and, therefore, we go there every now and then (hin und wieder), me to have an Apfelschorle while my friend, a Cabernet.

I cannot forget to recommend, especially to those who are dedicated or, in some way, interested or curious about Queerstudies”, a visit to the Schwules Museum in Berlin (Gay Museum in Berlin), which is also located in the region. There it is always possible to see the world of the gay, lesbian and transgender scene in different historical and illustrative approaches and from some specific or original angle. There are also temporary exhibitions. This combination of exhibitions, library and archives makes the museum an ideal place for research, preservation and dissemination of queer history and culture. The museum was opened in 1985 and is located in the Tiergarten district.

Berlin, April 2023 and September 2022.

Antonio C. R. Tupinambá